Monday, September 11, 2006

Elogio do vinho

Um amigo meu, homem superior, considera que a eternidade é uma manhã e 10 mil anos um simples pestanejar. O sol e a chuva são as janelas de sua casa. Os oito confins, suas avenidas. Caminha, ligeiro e sem destino, sem deixar rastro: o céu como teto, a terra como chão. Quando se detém, empunha uma garrafa e um copo; quando viaja, leva na cintura um cantil e uma vasilha. Seu único pensamento é O VINHO; nada mais, aquém ou além, o preocupa. Seu modo de vida chegou aos ouvidos de dois respeitáveis filantropos: um deles, um jovem nobre; o outro, um literato famoso. Foram até ele e com olhar furioso e ranger de dentes, agitando as mangas de seus trajes, reprovaram vivamente sua conduta. Falaram-lhe dos ritos e das leis, do método e do equilíbrio, e suas palavras zuniam como enxame de abelhas. Enquanto isso, o ouvinte apanhou uma vasilha e entornou-a num só trago. Depois sentou no chão, cofiou a barba e começou a beber aos goles até que, com a cabeça inclinada sobre o peito, caiu num estado de venturosa incosciência, interrompida apenas por relâmpagos de semilucidez. Seus ouvidos não teriam escutado a voz do trono; seus olhos não teriam notado um penhasco. Cessaram frio e calor, alegria e tristeza. Submergiu o seu pensar. Inclinado sobre o mundo, contemplava o tumulto dos seres e da natureza como algas flutuando nas águas de um rio. Quanto aos dois homens eminentes que discursavam ao seu lado, pareceram-lhe vespas tratando de converter um casulo de bicho-da-seda.

poeta e pensador chinês do século III d.C. Lieu Ling

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